parece que tudo que escrevo
foi dito por alguém
e ressoa
eco de palavras que não falo

o corpo inocente
tenta
mecanicamente
produzir um som
balbucio torpe

não há geometria
não há latim
parcos são os recursos:
memória, tom, dom

não há sentimento
não há emoção
só o peso da mortalha
voz
vazia
pairando no chão





Ilustração de Lisbeth Zwerger
Teu amor etílico
Tem prazo de validade e fim
Teu amor bêbado
Porta de botequim
Não sobrevive dois minutos
Sóbrio
Se desfaz qual sal
Num copo de gim

Existem razões para o luto
Existe o abandonar da  vida o corpo
Existe o sofrer sem dor
Existe o olhar vazio dizendo amor

Existe o homem descarnado
Escorrendo líquido pela vida
Existe o homem de tez altiva   
Sustentando mentira e indecisão
Existe no meio do sim, a negação

Existe a certeza também
De se ter sempre dúvida pela frente
Existe no meio do rio correnteza
Dessas de levar e lavar a alma da gente

Existe este chão.  Água de beber e banhar.
Existe sim,
Mas nunca fui tão ar.