Canta para eu dormir
esquece tua voz junto a mim
aquece tua mão no meu dorso
deixa eu chorar baixinho
e só
a certeza de não te ter
ao meu redor

mantenho meus olhos
bem abertos
e com a clareza de um raio
dissipo atos impensados
acredito em olhar profundo
a eterna dúvida
e faze-la ausente
quando acordar

Deixei de voar
Cortei minhas asas
Fechei as janelas da minha alma
Para essa vontade desmedida de me
Compreender
Para esse zelo vulgar
Para as alternativas inóspitas que me cercam
Não há mais ruas
Só o beco
E esta paisagem que se desfecha
É miragem
É minha vaga lembrança
De mim

Caro Francisco
Nem sempre vemos
O que está na ponta do nariz
Aliás
Quase nunca
Somos todos cegos
Voluntariamente
voluntariosos
E conscientes
Do que a mão não alcança
Nem com toda audácia
Nem com toda pujança
Caro Francisco
Se a mão tirasse
Da frente tudo que chamo
Verdade
Seria mais fácil
Caro Francisco
Pensei nisso: missão que não terminei
E que – acima de tudo
Tem vontade própria
E despertou.

sonho amargo
gosto pecã
pedaço tingido
pecado fingido
e finjo
ser eu mesma
todo dia
um pouco
mais

uma aspereza
inefável
sai das mãos
entregues ao ócio

esse ardor
(selvagem busca
pela inspiração)
traz aos olhos
um pouco de tudo que sei

e o despudor que sinto
faz meu corpo se desprender
com a fúria
obsessiva
das palavras em meu peito

colho versos que
brotam da insensatez
rimo palavras sem sentido
e faço liberdade
com meus desejos escravizados
elejo na fuga
das minhas inspirações
algo que me acredite calma e não atroz
(mesmo que isso não exista)
me aposso de
todas as subversões que me cabem
e tranço minha vida
na cadência da rotina que carrego nos ombros, sempre
tranco os restos de dúvidas
e me lanço sobre as provocações
abertas feito feridas irremediáveis na minha alma

o caminho que traz a esta rua é muito mais longo
que imaginas
e todos os atalhos que eu porventura
queira tomar
estarão cheios do esquecimento
que a solidão traz consigo
os olhos desta rua enxergam muito mais longe
que uma vã doutrina
cada esquina é
a sábia sentença
a desconfiança
é o espelho do mar que afunda:
gasto segundos a perceber isto
e uma eternidade para seguir adiante

se for para olhar pro lado
e não enxergar
fico cega para o resto do mundo
falo com estranhos
que me conhecem
mas não vejo
não sinto âninmo
deslumbro inerte a
vida que passa rente ao meu corpo
uma tênue linha nos separa
nos dissolve
sou mera espectadora
dos malabarismos
dos meus pensamentos
imagino tanta coisa...
e em tom ridículo (quase confessional)
me ponho a divagar
as pessoas acham que são felizes
-feliz sou eu que sei disso
e lanço meu riso irônico para todos



Escutar essa voz
Transforma em pecado
Todo o receio
E quando ouço
Arder
Mendigando calor
Calo o vício opaco
No contorno
Si
Lente
Lentamente
Rasgando toda dúvida
In (or out) Certeza?
O tempo dirá

Armadilha



Escrevo com fogo
Na folha vazia
Tua armadilha
Pra minha arte
Sou parte dos olhos
E parte de tudo que sinto
Que sou

Escrevo com fogo
Na tua retina
Que tinta azul
No fundo olhar
Saliva e sangue
Ocaso no abraço
Mergulho no mar

Escrevo com fogo
Assino as unhas
Nas tuas costelas
Abro uma fresta
Ardo sem pressa
Meu calor consome
Fogueiras espumas

Escrevo com fogo
Sina noturna
durmo nas dunas
Na água no sal
Atiço o caos
Enxergo a febre
Que abre uma chaga
E fecha este soul

poesia brusca



e então
num passe de mágica
as palavras se fizeram
espelho da minha vida
refletindo no instante
a exatidão de todos os sentidos
e o resto das fagulhas
que crepitam nos meus olhos
atearam fogo no cosmos
incendiando a languidez do mundo
simples e rapidamente
como esta poesia brusca
feita de fogo e silêncio




por essas ruas e estradas
vejo a sina que me cabe
sinto a gana
faço lama na rua
na tua
viro a cama
e tiro a fera
quimera de mim
quem sabe um dia
viro gueixa pra te
envolver
que nem serpente
e acorrente nos trilhos
destes livros insanos
poetas e oceanos

por estes becos sem saída
sou ferida na tua mordida
e sinto a carne no cerne
no gozo
alvoroço de duas batidas
no ritmo leve
que leve
que desce
que sobe
que morre na encosta
e encosta tua boca
em mim


Se os olhos não dizem
O corpo deduz
E no silencio austero
Entendo meias verdades
Das metades que somos nós

Se os olhos não calam
O gesto traduz
As mãos contornam
Esse enleio contra o tempo
Algoz

presságio



talvez aconteça
de encontrar você
as linhas da minha mão dizem
e me guiam
para tua arte
teus olhos me consolam
e fazem ver
outros e novos dias

quase-poema



que adianta
minha placidez
contra a ira das palavras?
estou inerte
neste fogo
que nunca apaga
enquanto houver sons
que possam vencer a
resistência do medo
e brincar com
a falta de nexo do nada
terei a vida a meu favor
este amontoado de
histórias oblíquas
que ultrapassam
a razão e as fronteiras
do puro
pureza...existe?
só na mente dos
comedidos
essa raça em extinção
que meus gritos
chacoalham e perturbam
tornando-os irracionais
feito lobos famintos
feito nós


sou mais mulher
que meus olhos permitem
esconder
tento parecer frágil
mas é na penumbra
do quarto
quando dispo
os mistérios que me cubro
e encho de silêncios a minha alma
que grito a força
estancada no peito
e me faço forte
me faço vil
apegada às minhas vontades
fiel aos meus versos

conto as horas
e lembro que o sol traz consigo
minhas incertezas
fujo de mim para nascer de novo:
domável
de olhos semi-cerrados
certa de te ganhar
ou perder

pensativa



Tem alguém com muita raiva de mim aqui
E esse alguém sou eu
Por mais que vislumbre uma nova paisagem
Tudo por dentro está queimado
E oco
Falta alguma solidez em mim
Algo que dure (pelo menos)
Até a próxima chuva
Falta coerência nas minhas palavras
Falta sensatez nos meus atos
Este mesmo nexo que tanto esmurrei e
Agora quero abraçar
Liricamente meu

Espelho



essa coisa linda e tola
constrange meus olhos
adentra minha vida
sem permissão
invade minhas certezas
lapida minhas asperezas
e transforma cada minuto
cada vez
em mais uma


minha casa não tem porta
é uma infinita selva crua
paredes por todo lado me cercam
lembrando a cada instante
viver não tem cura
viver é coser eternamente
uma colcha de retalhos
de fados e fatos enternecidos
úmidos e salgados
emendados com a doce mentira do gozo
de quem nasce, ama e morre
chorando o peito desnudo