Aniversário



Quem celebra a palavra dura 

Fria

Qual lápide na noite escura

Qual verso de rima pobre 

Escrito num papel de remédio sem cura


Quem celebra o fim iminente

Triste

Qual dor navalha na carne latente

Qual ferida aberta 

Mas finge a dor que não sente 


Quem celebra a casa revirada

A vida

Qual roupa desgastada

Qual cama desfeita

E finge o riso sobre os destroços da jornada


Parabéns

pra 

você 




*colagem Ícaro de Wolney Fernandes disponível em @wolneyfernandes 



Viver a vida que me cabe

Completamente

Viver a vida que me basta

Hoje e hoje e hoje 

Viver a vida de mil mulheres em mim

Viver mil sentimentos em mim 

Viver o amor-desamor

Viver a verdade ou a mentira

Viver um ciclo de coragem

Simplesmente

Viver o que outras mulheres viveram

Vivem

Viver e saber que não sou a primeira

Nem a última

Viver o engodo do sossego

Viver a decisão tomada

Viver a saudade nefasta 

Viver sem temer

Viver e temer

E seguir 







Tela: “O sonho de Lorena” de Carol Burgo em @c.burgo_art




Maternidade



A maternidade me atravessou

Inexoravelmente 

Feito navalha cega 

Na carne ardente

Irremediável 


A maternidade me atravessou

Numa fúria lancinante

Não sou mais mulher

Não sou mais amante

Não sou mais nada


A maternidade me atravessou

E ainda estou tentando me encontrar

Nos escombros 

Nas músicas que pensei ter esquecido


A maternidade me atravessou 

Feito lança e me partiu em 

Vários pedaços desconexos 

Espelho fragmentado de lembranças 


A maternidade pariu a mãe e matou 

todas outras mulheres 

 Em mim




Tela “Abrindo Caminhos” de @c.burgo-art 


Morto

 



Sou viúva de um amor ainda vivo

Um amor doente e moribundo 

Um amor que

Ainda latente

Me desabou céus mar e o

Mundo


Sou viúva de um amor vívido

Vivido em dias tensos e duros

Sou viúva 

De intempéries e absurdos

De um amor que outrora bom

Hoje nocivo 


Sou viúva e visto meu manto negro

Teço a mortalha sem desfazer

Os pontos 

E quando acabar não espero 

o encontro 

Com aquele que foi 

Sou viúva e vivo um amor morto





*Tela de Carol Burgo em @c.burgo_art