quero te amar com pressa
desentranhando a vontade
mundo afora
no corpo
a demora do sentir
do fazer mais que absurdo
quero te amar com ardor
sem pudor ou coisa que o valha
quero meu querer bem rente
da tua boca
quero isso e mais fundo
expandir teu lado obtuso
sem medida
sem verdade
minando o desejo
cansando a resistência
quero todo fingimento
toda aparência jogada no chão
entre as roupas
não sei querer outra coisa
mas sei fingir
que não quero


ser um igual aos outros
ser sem distinção
sem raça
paradeiro
ou bolso onde guardar tostão
tout la même chose
batida quando soa junto
não importa se tambor
ou pandeiro
quando irrita é barulho
da trabalho pro orgulho
admitir o que foi bom
pra quem é cego surdo ou mudo
tout la même chose
um dia é igual ao outro
o outro que começa
onde o um finda
quando o agora
não deixou de ser ainda
não é diferente
o frevo o mambo
do pé em fevereiro sambando
não é diferente
a história que começou
da que está pra terminar
não importa se kitsch ou noir
pra mim é tudo igual
você é igual
tout la même chose

cada um esconde o que deve
de si ou de outro
só mostra a parte mais simples
porque assim deve ser
eu só revelo o que
o outro vê
feito espelho d’água
a imagem refletida
não mostra chegada
só partida
e fica turva
a cada sopro mínimo
do vento que graceja

cada um deve a ninguém
o retrato que quiser mostrar
a dor que quiser mentir
ou gritar

cada um deve para si
a inverdade do enredo
ou a rede e o sossego
ver no retrato sugestivo
a fronte calma
olhar passivo
no fundo da calmaria
a súplica do que é tarde
no berço da compostura
tempestade

pintura


quero ser o amor de Chagall
aquela por quem
o silêncio, feito cor
respira
quero ser a dona dos olhos
imensos
ver o sentimento
refletido feito espelho
na tela
cura para minha doença
quero ser o amor colorido
a alma que espreita
e sussurra
sedenta
tua metade
meu corpo, o teu
face a face
saber que sou eu
quem sou eu
teu amor
Chagall


quando te amei pela primeira vez
ficou o gosto amargo da ausência
fingi que não te conhecia
pelos dias que passamos
os minutos corriam
você corria
mas o que se aproximava
era calmaria

quando te amei depois
quis me enganar que havia
lembranças dos dois
fingi não ver tua indiferença
não havia frio nem calor
só vontade de voltar
aos primeiros dias
ao primeiro ardor

quando te amei outro tempo
ainda mais distante
jurei que seria só
seria aquele momento
somente mais um instante
fingi não entender teus clichês
tampouco quis dizer
porquês e outras mentiras

quando não te amar mais
será enfim, o tempo da minha paz
o tempo de esquecer
que sempre te conheci
que tua ausência fez
sentido, nos longos dias
nos dias idos
caço sentido pra essa história
que vai acabar esquecida
na gaveta, no caos oculto
da memória