desista.


desista
de ir tão longe, fundo
de cravar as unhas na
liquidez do mundo
desista
de seguir a trilha, meta
de ter certezas como cartas
postas sobre a mesa
desista
de romper com o beijo esperado
e ver o dia amanhecer
junto com o escárnio
desista
você não tem coragem
de queimar, com a ponta do cigarro
toda essa paisagem que passa
pela janela do carro
enquanto seguro sua mão
não
diga
não
insista
desista.

se tua poesia
é uma alegria concreta
então a merda que encerra
o meu, o nosso ato
vale o sorriso e o escarro

se tua merda
essa poesia concreta
externa uma voz incerta
passe por qualquer brecha
que a vontade permitir
seja o gozo, seja o ganir
sem qualquer traço de humanidade
eloquência ou perversidade
revelam que na orgia reside
a minha sanidade


*Poema feito em resposta ao poema Se tua alegria de Felipe Braga no blog opoemameu.blogspot.com

dois lados da moeda


dois lados da moeda
quando jogados pra cima
repartem em metades
o que sinto inteiro
escolha feita pelo acaso
de repente um é certo
o outro embaraço
dois lados da moeda
se cara, a máscara esconde
se coroa, não se vê
nem se sabe onde
ir, querer, chegar
em qual colo dormir
qual amor amar
dois lados da moeda
não existe escolha certa
nem toalha quente que se jogue
sobre a dor ainda latente
dois lados da moeda
um é a fuga, o outro é a certeza
do carinho sob a coberta
dois lados da moeda
o vinho derramado sobre a mesa
rompe o desejo da espera
nem sempre os dois lados
são da mesma moeda
trilhar o caminho de dentro
voltar à casa que não conheço
pisar por sobre toda pedra
percorrer os caminhos de terra
rios que nascem ao contrário e chovem

sem querer arrancar os pés de mato
que crescem e tomam o caminho
assumo ser espinho
vantagem de quem (se) protege
áspera folha do lavrado

o trajeto de volta nunca é o mesmo
desmerece a consciência agredida
em cada instância, e ainda assim
nascida debaixo de chuvas torrenciais
rios que nascem ao contrário e choram

chuva sempre vira cachoeira
pó, e pede pra assentar a poeira
acalentar a menina, que ainda sonha
ainda dança e lê, meio enganada
meio enleada. chove
e chora.

metade

vou te deixar sair de mansinho
como entrou
vou te contar que esqueci
o que, baixinho
ao pé do ouvido
você me contou
e ficar com todas as vezes inteiras
dos pedaços que você partiu
e repartir a sensação de felicidade
como quem dá o pão ao pobre
quem sabe,talvez sobre
um pouco pra mim

vá saindo devagar
não me acorde
saia de mansinho
levando seus vestígios
a lembrança do carinho seco
o olhar mordaz
e todas as palavras que
um dia fui capaz, não mais
arrume suas coisas
sem fazer barulho
coloque seu orgulho na mala
recolha seus pertences da sala
e suma. pela janela, pela porta
ou qualquer fresta
não deixe pegadas
nem apare as arestas
agora é sua chance. saia
cada minuto urge sua partida
sem choros amargos ou despedidas
me deixe ser senhora
deste quarto desta vida.
feche a porta com cuidado
a caixa de pandora está aberta
cada lembrança deserta, em silêncio
silêncio.

sim, me tornei a megera
a negra peste que aprisiona e mata
a vadia que depois do gozo
repele e devolve a grana
e ainda assim jura que ama

sim, me tornei a interesseira
a que escolhe a dedo sua vítima
a que acolhe, apenas
pelo prazer fugaz
o rapaz que mais oferecer

sim, me tornei a sábia
destilo palavras feito veneno
e te cativo com a minha fruta
rubra, meu latim exótico
meu léxico tóxico

quero agora uma vítima
que vai urdir por toda maldade
por cada pedaço da insanidade
que sou feita. quero agora
vem na minha cama
e deita


depois de quase afogar
quase morrer
quase expirar
me abandono de ti
e confesso todos os
despudores que sou feita
toda ultrajante melodia
que soou feia aos meus ouvidos
canto para que me ames
e me queira com tudo o que não presta
com todo desejo que resta
sem música sem poesia
sem a nostalgia da foto antiga na parede
sem o álcool e sem o fumo
só este barco sem rumo
à deriva de qualquer lua ou serra

o desejo
é um vilão que atormenta o destino
e faz de cada roda tranquila
a pedra do desatino
que embola o fio da meada
e dá o nó cego do caminho
o desejo
é o vilão da carochinha
é quem assalta as noites insones
e foge sem lenço e sem fome
o desejo desconhece a dor
do homem que, preso
aflige inerte a lida sem nome
desfaz do barro a costela
corre com alma nua
pela estrada que se agiganta
numa tela