Pandora



quero só um dia
ser poupada de olhar
com meus olhos
quero tirar meus olhos
e olhar com os outros
sentidos
todos eles
quero apalpar os fatos
para reconhcê-los
quero ouvir os sons
para sabê-los
quero inspirar saudades
e exalar fagulhas
quero só um dia
ser poupada de abrir
caminhos com as mãos
quero limpar as unhas
olhar
fixamente para elas
pensar
sou eu
quero licença para ser
eu mesma
por favor

Noite Adentro



há os que choram pelos que perderam
eu choro porque me perdi
irremediavelmente
no limbo criado por mim
e para mim
ao redor tudo são
espelhos
espectros

te peço que venhas num cavalo alado
me salvar de mim
cega
olho para o lado
e sempre estivestes aqui
segurando minha mão

Pedaços



um eu que se mostra profundo
disforme
animal cativo
da própria sorte
transpira agonia
na ponta dos dedos

um riso que soa maligno
etéreo
capaz do lascivo
e do eterno
diante do espelho
reflete

uma vida que ascende
e cede
conspira pudores
arfando no peito
anseios
entorpece

um corpo que carrega o mundo
ao mesmo tempo
gravita sem norte
errante
eterno bucolismo
sedento
distante

Flertes



a sequência de poemas abaixo foi uma brincadeira (des)pretenciosa com meu amigo Roberto Mibielli do Pô & Cia.


Bella:

Consumo
essa voraz
agonia

Presumo
sentir extático
poesia

Qualquer que seja
teu desejo
sou tua escrava
pitonisa

Postado por Bella http://isabella-coutinho.blogspot.com/ em 03/04

Mibielli:

Tua escravidão é o que me mantém de pé
Teu fluir pelos cantos,
arrastando correntes
tuas frases gementes
todos os latentes modos de dizer
aprisiona-me que quero a liberdade de pertencer

tua escravidão é o que mantêm
toda a liquidez do lânguido escorrendo
de todo canto que possa alcançar
com gestos bruscos e qualquer brinquedo
sibilante ou não
submarino ou não
que se sinta bem no seu templo
e te faça vibrar como não faz a razão

tua escravidão é o que
me tem feito ainda mais consciente
do que pra mim é o chicote
do teu sentir
prazer
dor
me deixando
cada vez mais servo
da tua escravidão

Publicado por Mibielli http://rmibielli.blogspot.com/em 05/04/2011

Paisagem II



Passo à tua janela e materializo paisagem para teus olhos. Se soubesse antes teu desvelo, cuidava em não te perder, e te fazer sonhar mais, transformar todo o medo, tão grande pesar, em conjugar o verbo amanhecer, contigo. Sinto que toda essa paisagem tenha te cegado ao ponto de não teres visto que também te via, também eras paisagem para mim. Agora quedamos assim,conhecedores de uma nova sina de seguir o que não conhecemos, rumar feito ímãs que se repelem pelos lados semelhantes. Também sinto que podias ter me contado tantas histórias, e podias ter revirado todas as histórias, fazendo delas o enredo que teus olhos não ousaram contar. E poderias, com tua voz, ter escrito claro no negrume que se encheu com a tua ausência. Enquanto disse para que fosses feliz, deveria ter traído toda a confiança que me é inata e deixado transparecer minha vontade não tão grande que tal vaticínio se cumprisse, pelo menos não sem que eu estivesse ao teu lado. Imagino agora que te cercas de temores, agora é tua vez de duvidar. E agora é minha vez de te sonhar. Agora.

Oração



Tira de mim essa paixão pelo impossível.
Tira de mim essa vontade de viver o etéreo
Tira de mim essa força que esconde toda a tristeza que faz minha essência.
Quero ser eu mesma, mesmo que isso seja me dar a conhecer ao mundo.
Só assim serei real, tangível e pura.
Verdadeira.
Amém.

Paisagem



É nessa imensa liberdade que me aferro aos teus desígnios, e me faço (ao mesmo tempo) minha, por não dissociar meu eu da realidade, e tua, porque esta mesma realidade materializa-se no que penso de ti. Pois quando olho para o lado de dentro vejo apenas este quarto vazio. E quando olho ao longe vejo onde teus olhos também pousaram, e me sinto tua. Me faço tua. Por passar sorrateiramente a pensar no que podes pensar e no que veio a pensar outrora. Meus monólogos contigo são dois dedos e duas linhas de prosa que alimentam todas as vãs contagens do tempo. Sorvendo este café que me lembra o amargo da tua ausência: a ambos faço questão de beber sofregamente, quentes, alimentando as janelas abertas da minha alma, sedentas de paisagens, feito esta que olho ao longe. Se passasses pela minha janela eu veria o dia e não mais a ausência –um ocaso. Então não me faria escrava, mas a serva cheia de pudor que se transmuta Sherazade para contar histórias ao ouvido do seu senhor. E me faria senhora de todas as coisas, senhora da tua presença antes imaginada, senhora de uma nova realidade ao alcance da minha voz.

Pitonisa



Consumo
essa voraz
agonia

Presumo
sentir extático
poesia

Qualquer que seja
teu desejo
sou tua escrava
pitonisa