só quando arrisco
a poesia em mim
salta
e se pouco ou nada
falta
perco as contas
de cada lampejo
de cada suspiro que
arremata o desejo de
tecer armadilhas
e dançar com minhas
sapatilhas de ponta
sobre a tua audácia
mesmo que ela esconda
a vontade da carícia
arrisco a malícia
do olhar para
me fazer de conta
no teu colar

depois do carnaval




o tempo contado
minuto a minuto
passa arrastado
invento artimanhas
enfeito minhas tranças
coloco a saia mais bonita
rodo os ponteiros
e faço do agora
fevereiro
meu samba começa
depois do carnaval

outro lado



procuro
vício desmedido
por todos os
cantos
assumo
prazer reprimido
traço contido
na minha latência
sem elegância
vasculho o lixo
mendiga de minha existência
agora me diga
me fale
onde deixei
onde perdi
a minha ausência?

apenas






de você quero apenas
coisas boas
beber teu riso
sem compromisso
lembrar teu nome
quando acordar
e se possível
levantar antes
de você quero apenas
não guardar qualquer
memória

invisível



abra os olhos
sobre meus segredos
desvenda
a charada que corrói
a chaga presente
no meu estupor
e sangra e urge
não o curativo
remendo da alma
não o laço desfeito
intempérie ativa
atiça e atrai
sem mistério
ou segredo
não sou esfinge
motivos de decifrar
gota d’água
estopim
se todos forem reais
a droga que falta
oprime
a dor invisível
eu devoro

fundo



vou te dizer um
negócio, seu moço
quem come a carne
rói o osso
e deixe desse seu
alvoroço
porque a vida
só tira o que dá
e se ela dá
um pouco
logo tira também
o troco
e o que sobra é o
rasgo
o remendo
o estrago

simples




pode falar
minhas mãos estão aqui
para te seguir
solene
simples
e delicadamente
meu silêncio te constrange
e teu carinho me reprime
diga lá
bem aqui
será?
quem vai saber?

dúvida




vou escrever
que tua dúvida me calou
e disso tenho certeza
tanta incerteza
escondida atrás da porta
espalmou as mãos
fechou as bocas
acalmou o querer
e depois não pergunte
apenas leia meu silêncio
e ouça meus olhos dizendo
sim, é tarde.

candeia



essa luz que me passeia
candeia dos teus olhos
incendeia os sentidos
e queima, brasa ardente
quando sussurra ao meu ouvido
me concentro no teu som
gemido
teu choro rimando música
o resto tudo pra mim
é ruído

déjà vu



baixo botafogo
quando percebo
esse lugar
cada centímetro vasculhado
pela minha
lembrança
me dou conta
que a rua não me
pertence
e nem a ti
quando percebo que
cada marca
foi apenas o
instante
e não durou após
a chuva

vermelho



e quando estiver pronta
apago teu nome do espelho
cubro meus lábios
de vermelho
e saio para me
encontrar
de novo
no meio dessas ruas
no meio da noite
tua

Desdita


Destilo minha acidez
Irascível
Cometo as maiores
Atrocidades
Em partes
À parte de tudo
Me calo
Consinto tua aridez
e reprovo todos
os dados que me levem
a hipóteses
malditas
desditas
desando por
sobre minha certeza
sobre células
telepáticas
caóticas
confusas
minha cabeça
e a da medusa
se entendem
nessa ânsia de
sonhar
o sempre
o novo
sempre

Fuga




quando escrevo
saro
quando calo
desconverso
quando me consinto
respiro
quando contrasenso
desabo
quando resvalo
confesso
quando bebo
(re)tinto
quando distraio
sou pego
quando desisto
me cego
quando atraio
me sinto
algo cativo
-não quero

piano




às vezes dói
sentir toda essa música
presa no peito
às vezes dói
perceber que os dedos
não acompanham
a melodia da
minha cabeça
então escrevo
faço música
com os olhos
dedilhando fantasias
com a mão
inerte
sobre o piano
e
mesmo assim
muitas vezes
dói
silêncio.

retalho



se rememoro
o que desejo
encho minha existência
de retalhos
minha história
remete ao cotejo
do que sou
e do que almejo
se prossigo
ou estanco
errante
a certeza é
nunca pego um
atalho

paz




quando a paz
sai assim
de dentro
fica até difícil
explicar porque a
maioria das vezes
fecho os olhos
e digo pra ela:
passe, passe...

torpor




a palidez se transformou
torpor
agora nova face vem
compor
sem cadência ou melodia
rima
que me faz errante
sina
e sugere notas desconexas
ardente
cada vez que me vejo
constante
e teu corpo de mim
ausente

talvez




talvez me falhe a
memória
por errância ou vontade
própria
talvez eu me falte e me descubra
novamente
dona dos mesmos vícios
e ainda assim
de mim mesma
ausente

Quarteto urbano (IV)




manhã nublada
e chuvosa
como sempre
nos últimos dias
te soube em fase
indecisa
se choves
se esfrias
meu corpo acompanha
teus desejos

Quarteto urbano (III)




catador de papelão
não te sei outra coisa
catas somente
o que outros
largaram mão
deixaram à revelia
e sem regalia
escolhes
escondes
um pouco do teu nome
vais deixando
pelo chão

Quarteto urbano (II)




pauliceia esta
que fiz
desvairada
saiu a reboque
de coisas passadas
e isso de viver
jornadas errantes
me mostra o
quão gigante
pode ser aquele
instante perene
anúncio solene
do que arde
por ser

Quarteto urbano (I)



são paulo
tua cor cinza
em várias nuances
no horizonte
contorce a vista
infinito te miro
ao longe fugaz
e quando teu frio
me abraça
o peito
aqueço o leito
que apenas de um cinza
opaco
jaz(z)

balada de amor e ódio




balada de amor e ódio
tão igual
mas tão sem
propósito
ficar sem meu ócio
habitual
e fazer desse dia
mais um
no meu inferno astral

pergunta




e a fortuna
do devir?
passo calada
e xingo essa alma
espelhada
que não se importa
em / me
ver partir

de vidro



não quebro teu silêncio
de vidro
mas talho
a consciência
com meu sangue
pulsando
quente
silente
sorrateiro
no teu mangue



noite



dois estranhos numa noite escura
e fria
-só não sabia se o frio
vinha de fora
ou era de dentro mesmo

ironia


se eu quisesse o sangue
derramava uma taça
sobre cada viela escura
desta vida
se eu quisesse o sangue
embebia os lábios
na verve límpida
na veia pálida
na esquina dessa
alegria
infame

tato


sem inspiração
olho para o lado
ouço seu retrato
meço meu tato
quase zero
quase nada
tinindo
pulsando ciberneticamente
sem inspiração
você é uma esquina
miragem distante
do caminho
reto
que resolvi trilhar

mensagem




se me calo
constante
é porque meus olhos
falam
gritam
pulsam
e minha boca segue
errante
até você
me notar

mármore



arrancar essas palavras
do fundo
saber dizer com elas
o que me falta na vida
e sentir a sede
em frente ao mar
e gozar no frio
mármore
e fazer calor
mágica
com as mãos

arrancar esse sentimento
náufrago
do mar dos meus olhos
áridos
fazer impossível
mergulho
e voltar
talvez
com pudor obtuso

arrancar esse pudor
intruso
ser sem disfarce
e ter sede
beber
e sentir
sem amar
quebrar o mármore
e ser só calor
com as mãos
e o corpo todo

(In)Concreto




a medida da rotina
des
anda e des
ata
a agonia
a sina
o sim
quem sabe um dia
eu passo
a borracha
eu caço
a fumaça
eu danço
parixara
quem sabe do certo
in
certo?
decerto
de novo?
quem sabe...

paciência


chega de tanto mistério
tanta trapaça
cansei da pirraça
detrás da cortina

chega de tanto suspiro
eu desconfio
por trás do arrepio
há sempre a suspeita
de um leve torpor

chega da mesma cantiga
eu parto é pra briga
minha coragem
é o impulso desmedido
da partida


depois de partido
em mil pedaços
fragmentado pelo desejo
alquebrado da volúpia
insano
instante
depois de tudo
e depois da tristeza
quero te dar meus versos
e esse imenso
desconhecido que sou
o tempo urge
mas não é tarde
vem...

outro




hoje resolvi não me ser
quero me despir de mim
me tornar previsível
sem qualquer artifício
hoje resolvi não me dar
quero desnudar
do que me faz visível
do que me dá propósito
hoje resolvi não me olhar
quero andar errante
e me enxergar no outro
fazer do presente
distante
e do constante
epílogo

Caos



rasgo todas as folhas
cheias do lirismo vão
que enchem de mentiras
o caos indissoluto
do hoje
cheio de vozes e suspiros
incrédulos do abismo
que
estamos
caindo

Considerações sobre o parto

Para Cecilia e Ana.






Águas. Um mundo tão intrínseco que sequer imaginável. Daí a grande viagem. Separar o que é prazer do que é dor é, desde sempre, tarefa das mais difíceis. Senão impossível. Na verdade o prazer se faz presente unicamente porque não se pode dizer que dói, mas tudo começa com o prazer: o prazer de dar e receber algo que se ama. Não cabe lirismo na realidade; esta se faz de momentos singulares, e estes constroem-se com a percepção que se está vivo e nada mais resta a fazer.
Tudo nasce em líquidos, a vida preparando-se para emergir em um mundo perplexo e que, a pesar de velho, ainda não sabe até onde pode chegar. Tal qual o homem. A grande metáfora da existência ganha seu contorno mais real na forma arredondada de uma mulher, prenha. Cheia de luzes, cheia de sonhos, e muitas vezes cheia de um grande nada. A partir de um crescimento minúsculo desenvolvem-se ideias e ideais, gênios, e uma mistura infinita de DNA com enjôos nada programados, de uma natureza já sensível com o aguçamento da sensibilidade que o estado traz. Afora as incertezas.
Por mais segura que uma mulher seja, ou aparente ser, é nesse momento que ela se encontra com seu mais profundo ser, quando ela tem que se dividir em dois seres, quando ela tem que se transformar, ela mesma, nela mesma, em uma pessoa completamente diferente do que tinha sido até então, e em outro ser que também tem características de outra pessoa. É seu corpo que efetua a gênese da mistura, é seu organismo que mede quanto de si mesma vai ser do outro, e isso é tão natural que inconscientemente ela se doa.
Num piscar de olhos tudo passa. O que era eternidade vira instante e aqueles espaços que nunca existiram vão se adequando para dar lugar a novos presentes, a novos futuros, a uma nova razão, nem sempre racional, mas sempre amada. Se dar. É sobre isso e para isso que a vida cumpre sua função em nós. Parir é antes de qualquer coisa um rasgar de entranhas que transforma em palpável o eterno sublime.


me julgas insana
provoco rumores
incito perjúrio
sinto rancores
escarneço verdades
repito pirraças
aguço mazelas
atiço vontades

Opostos



respiro esta tez
que espreita
minha vida
sem paz
minha veia
salta
pulsa
e feito lousa
te inscrevo
vértice
numa sede voraz

Bilhete


Meninas
desculpem
não dá pra encontrar
vocês hoje.
Aliás, eu não quero.
Não quero ver no outro
o que eu sou
só hoje
ou
sei lá.

Pandora



quero só um dia
ser poupada de olhar
com meus olhos
quero tirar meus olhos
e olhar com os outros
sentidos
todos eles
quero apalpar os fatos
para reconhcê-los
quero ouvir os sons
para sabê-los
quero inspirar saudades
e exalar fagulhas
quero só um dia
ser poupada de abrir
caminhos com as mãos
quero limpar as unhas
olhar
fixamente para elas
pensar
sou eu
quero licença para ser
eu mesma
por favor

Noite Adentro



há os que choram pelos que perderam
eu choro porque me perdi
irremediavelmente
no limbo criado por mim
e para mim
ao redor tudo são
espelhos
espectros

te peço que venhas num cavalo alado
me salvar de mim
cega
olho para o lado
e sempre estivestes aqui
segurando minha mão

Pedaços



um eu que se mostra profundo
disforme
animal cativo
da própria sorte
transpira agonia
na ponta dos dedos

um riso que soa maligno
etéreo
capaz do lascivo
e do eterno
diante do espelho
reflete

uma vida que ascende
e cede
conspira pudores
arfando no peito
anseios
entorpece

um corpo que carrega o mundo
ao mesmo tempo
gravita sem norte
errante
eterno bucolismo
sedento
distante

Flertes



a sequência de poemas abaixo foi uma brincadeira (des)pretenciosa com meu amigo Roberto Mibielli do Pô & Cia.


Bella:

Consumo
essa voraz
agonia

Presumo
sentir extático
poesia

Qualquer que seja
teu desejo
sou tua escrava
pitonisa

Postado por Bella http://isabella-coutinho.blogspot.com/ em 03/04

Mibielli:

Tua escravidão é o que me mantém de pé
Teu fluir pelos cantos,
arrastando correntes
tuas frases gementes
todos os latentes modos de dizer
aprisiona-me que quero a liberdade de pertencer

tua escravidão é o que mantêm
toda a liquidez do lânguido escorrendo
de todo canto que possa alcançar
com gestos bruscos e qualquer brinquedo
sibilante ou não
submarino ou não
que se sinta bem no seu templo
e te faça vibrar como não faz a razão

tua escravidão é o que
me tem feito ainda mais consciente
do que pra mim é o chicote
do teu sentir
prazer
dor
me deixando
cada vez mais servo
da tua escravidão

Publicado por Mibielli http://rmibielli.blogspot.com/em 05/04/2011

Paisagem II



Passo à tua janela e materializo paisagem para teus olhos. Se soubesse antes teu desvelo, cuidava em não te perder, e te fazer sonhar mais, transformar todo o medo, tão grande pesar, em conjugar o verbo amanhecer, contigo. Sinto que toda essa paisagem tenha te cegado ao ponto de não teres visto que também te via, também eras paisagem para mim. Agora quedamos assim,conhecedores de uma nova sina de seguir o que não conhecemos, rumar feito ímãs que se repelem pelos lados semelhantes. Também sinto que podias ter me contado tantas histórias, e podias ter revirado todas as histórias, fazendo delas o enredo que teus olhos não ousaram contar. E poderias, com tua voz, ter escrito claro no negrume que se encheu com a tua ausência. Enquanto disse para que fosses feliz, deveria ter traído toda a confiança que me é inata e deixado transparecer minha vontade não tão grande que tal vaticínio se cumprisse, pelo menos não sem que eu estivesse ao teu lado. Imagino agora que te cercas de temores, agora é tua vez de duvidar. E agora é minha vez de te sonhar. Agora.

Oração



Tira de mim essa paixão pelo impossível.
Tira de mim essa vontade de viver o etéreo
Tira de mim essa força que esconde toda a tristeza que faz minha essência.
Quero ser eu mesma, mesmo que isso seja me dar a conhecer ao mundo.
Só assim serei real, tangível e pura.
Verdadeira.
Amém.

Paisagem



É nessa imensa liberdade que me aferro aos teus desígnios, e me faço (ao mesmo tempo) minha, por não dissociar meu eu da realidade, e tua, porque esta mesma realidade materializa-se no que penso de ti. Pois quando olho para o lado de dentro vejo apenas este quarto vazio. E quando olho ao longe vejo onde teus olhos também pousaram, e me sinto tua. Me faço tua. Por passar sorrateiramente a pensar no que podes pensar e no que veio a pensar outrora. Meus monólogos contigo são dois dedos e duas linhas de prosa que alimentam todas as vãs contagens do tempo. Sorvendo este café que me lembra o amargo da tua ausência: a ambos faço questão de beber sofregamente, quentes, alimentando as janelas abertas da minha alma, sedentas de paisagens, feito esta que olho ao longe. Se passasses pela minha janela eu veria o dia e não mais a ausência –um ocaso. Então não me faria escrava, mas a serva cheia de pudor que se transmuta Sherazade para contar histórias ao ouvido do seu senhor. E me faria senhora de todas as coisas, senhora da tua presença antes imaginada, senhora de uma nova realidade ao alcance da minha voz.

Pitonisa



Consumo
essa voraz
agonia

Presumo
sentir extático
poesia

Qualquer que seja
teu desejo
sou tua escrava
pitonisa