Considerações sobre o parto

Para Cecilia e Ana.






Águas. Um mundo tão intrínseco que sequer imaginável. Daí a grande viagem. Separar o que é prazer do que é dor é, desde sempre, tarefa das mais difíceis. Senão impossível. Na verdade o prazer se faz presente unicamente porque não se pode dizer que dói, mas tudo começa com o prazer: o prazer de dar e receber algo que se ama. Não cabe lirismo na realidade; esta se faz de momentos singulares, e estes constroem-se com a percepção que se está vivo e nada mais resta a fazer.
Tudo nasce em líquidos, a vida preparando-se para emergir em um mundo perplexo e que, a pesar de velho, ainda não sabe até onde pode chegar. Tal qual o homem. A grande metáfora da existência ganha seu contorno mais real na forma arredondada de uma mulher, prenha. Cheia de luzes, cheia de sonhos, e muitas vezes cheia de um grande nada. A partir de um crescimento minúsculo desenvolvem-se ideias e ideais, gênios, e uma mistura infinita de DNA com enjôos nada programados, de uma natureza já sensível com o aguçamento da sensibilidade que o estado traz. Afora as incertezas.
Por mais segura que uma mulher seja, ou aparente ser, é nesse momento que ela se encontra com seu mais profundo ser, quando ela tem que se dividir em dois seres, quando ela tem que se transformar, ela mesma, nela mesma, em uma pessoa completamente diferente do que tinha sido até então, e em outro ser que também tem características de outra pessoa. É seu corpo que efetua a gênese da mistura, é seu organismo que mede quanto de si mesma vai ser do outro, e isso é tão natural que inconscientemente ela se doa.
Num piscar de olhos tudo passa. O que era eternidade vira instante e aqueles espaços que nunca existiram vão se adequando para dar lugar a novos presentes, a novos futuros, a uma nova razão, nem sempre racional, mas sempre amada. Se dar. É sobre isso e para isso que a vida cumpre sua função em nós. Parir é antes de qualquer coisa um rasgar de entranhas que transforma em palpável o eterno sublime.

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