Podia ser
Inteiro
Podia ser mão
Podia ser chão

Podia
Ser mais um
Dia

Podia ter
Podia não ter
Tido fim

Podia olhar
E não ver
Podia ser
E não estar

Podia des-
Crer

Podia ser tão
Pouco
Podia ser
Ou não

- mas é imenso.












*Foto de Duda Portella
https://www.instagram.com/p/B53mVBAHuUB/?igshid=1k7u0hjmkt1g6

Cegueira

Não vi teu amor virar-me as costas
Não vi por acaso
Ou de propósito
Não vi quando estive
Com minhas pernas enroladas ao
Teu corpo
Quando vivíamos de gozo e ócio

Não vi a mensagem que não mandaste
Nem a que mandou
Dizendo que viria

Não vi minha vida do avesso
Por perceber mais uma vez que dormias
E eu tentava esgueirar-me de ti
Enquanto ainda podia









Imagem de Henn Kim

Covarde




Estou com as portas fechadas
A sala vazia
A casa deserta
Estou com as mãos atadas
Os olhos cerrados
A alma encoberta

Por todos os lados
Só vejo palavras 
Que julgam
E não falam: 
Se escondem covardes 
Por trás da sua 
Verdade

Meu amuleto 
É o silêncio.





*Imagem de @lucy_campbell_art




Tem corpo sobre corpo
E pele sobre pele
Tem olho no olho
Âmbar sobre ouro
Tem fome sono sede
E vontade que compele
Tem cama ninho rede
Tem tua voz que embala
E pede
Mais.









Não soube ler teus olhos
Nem a voracidade do teu desapego
Não soube entender teu desatino
Nem tua fome repentina pelo ermo

Não soube conter tua fuga
Nem medir o espaço da despedida
Não soube o tempo exato
Que te fez decidir pela partida

Não soube de tuas chegadas
Nem soube das vezes que disse:
Eu vou - e nunca ia
Não soube ouvir teu silêncio
Quando urgia

E mesmo quando os espaços
Entre os vãos aumentavam
E os retalhos rotos dos nossos corpos anunciavam: fim

Ainda havia algo de destino
Vagando feito verso errante
Como que acordando de
Um sono diletante

Ainda soube dizer a vontade
Que me cabia
Soube ser, querer e estar
Soube ser inteira para completar
Soube ser areia
Para tudo que era mar







*Imagem de Daria Hlatzova.

De longe



Certa vez ouvi tocar
Da rabeca uma canção
Que fez minha mente admirar
E emocionar o coração

Suas notas tão singelas
Sua lapela
Seu condão
Os contrastes evidentes
Entre o som, a rima e o pendão

Nunca mais ouvi um som
Tão pungente
Tão loquaz
Que tirasse da madeira
A matéria capaz
De reviver alegrias e
Tormentos

Na memória jaz
Todo o sentimento
Natureza de sol, ar e vento
Melodia que fez morada
Fez abrigo
Fez estada
No meu alento





*Imagem de Faiza Maghni

Casa




Essa história de uma vida
inteira
Traz coisas pra contar
Algumas menos
Outras mais faceiras
Mas todas constroem
Esta vida
Este corpo: meu lar

De lá pra cá
Coisas outras surgem
Ideias de idas
E vindas
Passagens de outro lugar

As memórias que habitam
Minha casa-corpo
Lembram:
A vida se vive somente
Pelo que há de vir
adiante

Meu futuro, decerto incerto
Começou de mãos dadas
Com a liberdade por perto
Sem medo de voar
Arrisco: me jogo rasante
Contigo
Outros amores seguem
Seu rumo
E deixam a casa limpa
Posto vazio

Pro teu amor morar

Segredo



Me diz a palavra
Que toca teu
Corpo
Me diz a palavra
Que fecha teus
Olhos
Ofusca feito ouro
Me diz a palavra
Que fere tua existência
Me diz qual apelo
Aguça
Qual sinal
Atiça
Qual nome
bagunça tua cabeça
Me diz
Qual pele te enleva
Qual pelo te roça
Me diz qual olho
Te olha mais
Fundo
Me diz o que cabe
(Será que me cabe)
No teu mundo